Letramento financeiro é caminho para a redução da desigualdade educacional

A BNCC - Base Nacional Comum Curricular - incluiu a Educação Financeira como um dos temas obrigatórios de aprendizagem; Bons resultados apresentados em projeto piloto do Instituto BEI pode ser opção para melhora do desempenho dos estudantes brasileiros no PISA


A educação financeira refere-se à capacidade das pessoas de compreenderem conceitos financeiros e às suas habilidades para administrar dinheiro e tomar decisões financeiras racionais;
Famílias não educadas financeiramente possuem dificuldades para gerir seus gastos e tomar decisões. Isso é especialmente preocupante para famílias de baixa renda, que tendem a ter menos acesso as informações necessárias para o enfrentamento dos desafios do dia a dia;
O programa "Aprendendo a Lidar com dinheiro", do Instituto BEI, impactou as práticas docentes, letramento financeiro de estudantes, teve efeitos positivos sobre as competências matemáticas trabalhadas pelo programa e sobre o interesse dos estudantes pela matemática;


SÃO PAULO, 19 de dezembro de 2023 - Projetos de educação financeira, com o foco em crianças e adolescentes, têm feito parte da estratégia de governos do mundo todo pelo seu potencial de desenvolver a capacidade do jovem em planejar sua vida tomando decisões financeiras conscientes e racionais. Nosso país oferece um cenário especialmente interessante para examinar o potencial dessas iniciativas, uma vez que o Brasil enfrenta desafios como baixos níveis de letramento financeiro e altos índices de endividamento doméstico. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgou em sua Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) que, em junho de 2023, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer atingiu 78,5% no país.

O programa "Aprendendo a Lidar com Dinheiro", do Instituto BEI, tem levado a Educação Financeira para os estudantes por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, visando estimular os estudantes a aprenderem de forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais, colocando-os no centro da aprendizagem, participando ativamente e construindo seu conhecimento.

Em 2019, o Instituto implementou o programa nas redes públicas de ensino básico de Goiás e Pernambuco, com grande interesse e receptividade por parte de alunos e professores. Entre os anos de 2021 e 2022, uma avaliação de impacto do programa foi realizada com uma amostra de cerca de 35 mil estudantes (de 9º ano do EF e 1ª série do EM) e 400 professores no estado de Goiás, com o objetivo de compreender se o programa alcançava, de fato, o que se pretendia: a alfabetização financeira, maior interesse pelas aulas de matemática, além do impacto em mudança de comportamento e hábitos financeiros dos participantes do programa.

As evidências encontradas indicam que o programa foi bem-sucedido ao promover o letramento financeiro dos estudantes, além do desenvolvimento de competências matemáticas específicas ao conteúdo aplicado. Ao integrar questões específicas do PISA1 na prova de educação financeira, foi possível entender qual o efeito do programa na métrica internacional. Estimou-se que o programa poderia impactar em 10% o desempenho dos estudantes brasileiros no PISA, levando em consideração as mesmas condições de implementação da avaliação de impacto.

"Não é difícil compreender por que a falta de conhecimento em educação financeira aumenta a desigualdade. Juros compostos e inflação, por exemplo, são termos carregados de desconhecimento. Por exemplo, porque não fomos educados financeiramente podemos facilmente sermos seduzidos a assumirmos dívidas com juros altos, comprometendo nosso futuro. A maioria ignora os efeitos brutais do uso indevido do cartão de crédito, do consignado e do cheque especial. Quem não se organiza financeiramente e não consome de maneira consciente, coloca seu futuro em risco, ainda mais com o aumento da expectativa de vida da população brasileira. Por isso, é fundamental adquirimos as competências necessárias para enfrentarmos as decisões da vida adulta e quanto mais cedo começarmos a pensar sobre dinheiro, melhor. O papel da escola é fundamental para que os brasileiros possam serem alfabetizados financeiramente", comenta Priscila Azzolini Saldanha, Gerente de Projetos do Instituto BEI.

Na prática

Para facilitar a compreensão da relevância desse resultado, os pesquisadores realizaram o seguinte exercício: entre 2015 e 2018, a pontuação média dos estudantes brasileiros no PISA avançou de 393 para 420 pontos, um incremento natural de 9 pontos por ano. Com a aplicação do "Aprendendo a Lidar com o dinheiro", estima-se que poderia ter havido um aumento potencial de 10 pontos a esse crescimento natural médio, chegando a 19 pontos ao ano, considerando-se o desvio padrão de 100 pontos no score de letramento financeiro do PISA. Na hipótese da presença do programa, esperar-se-ia um aumento para 450 pontos em 2018, resultando em uma ascensão de duas posições no ranking, posicionando o Brasil próximo ao Chile.

"Aplicamos algumas questões disponíveis do PISA de educação financeira e, baseado nesse exercício, projetamos, com o auxílio de algumas hipóteses, que o impacto do programa na prova do PISA seria por volta de 10 pontos, o que é bastante relevante! Se o Brasil avançasse 10 pontos por ano, o Brasil subiria, no intervalo de três anos, duas a três posições no ranking internacional do PISA. Vale dizer que os estudantes que participaram do estudo obtiveram esse ganho em um semestre de exposição ao programa", comenta o pesquisador Ricardo Madeira.

Em um país em desenvolvimento, onde as taxas de abandono escolar são altas e o desempenho acadêmico em matemática fica muito aquém dos padrões internacionais, compreender o interesse dos alunos pela matemática é crucial. As análises de 2021 indicaram que o programa teve um impacto de 5% d.p. no primeiro grupo de estudantes, efeitos que persistiram e aumentaram após o segundo ano de intervenção, em 2022. Ao estabelecer conexões claras entre habilidades matemáticas e sua aplicação ao mundo real a partir de metodologias ativas de ensino, programas como o "Aprendendo a Lidar com o dinheiro" podem aumentar o interesse e o envolvimento dos alunos em seus estudos de matemática.

Um outro aspecto interessante observado é que os impactos variaram conforme os níveis socioeconômicos dos estudantes. No experimento de 2021, o grupo economicamente mais vulnerável obteve um impacto de 30% d.p. Na cauda superior da distribuição socioeconômica, o efeito estimado foi de 13% d.p. Tais achados reforçam que o programa não apenas possui um impacto médio positivo, mas também é eficaz em reduzir desigualdades ao minimizar lacunas de aprendizado entre indivíduos mais e menos vulneráveis socioeconomicamente.

"Na educação financeira, aplicam-se conceitos de matemática importantes. O programa 'Aprendendo a Lidar com o dinheiro' oportuniza ao professor desenvolver certas habilidades de matemática por meio dessa contextualização. Como a matemática utiliza conceitos abstratos nem sempre vê concretização no seu uso. Educação financeira pode ser um uma forma de engajar os estudantes e proporcionar aos professores a possibilidade de contextualizar o ensino. Isso, somado ao uso metodologias mais contemporâneas de ensino, adotadas pelo Programa, que colocam o aluno no centro do processo de ensino e aprendizagem, tem um potencial de impacto relevante no ensino da matemática", explica Madeira.

Um outro achado importante é que os estudantes não tiveram perda de conteúdo da matemática que não foi trabalhada pela educação financeira abordada pelo programa, o que é fundamental, uma vez que é indispensável não haver perda do currículo (para além da matemática trabalhada pelo programa). "Ou seja, nossos achados indicam que o programa aumenta o desempenho das habilidades de matemática trabalhadas pelo conteúdo de educação financeira sem gerar perdas em outras áreas do currículo que o programa não aborda. Ademais, também encontramos evidências que sugerem que o programa aumenta o interesse dos estudantes pela matemática", conclui Madeira.

Sobre o Instituto BEI 

O Instituto BEI é uma organização social fundada em 2018, que desenvolve programas educacionais e implementa projetos, que estimulam debates e colaboram para formação de políticas públicas. Em uma conexão entre a academia e a sociedade, conta com o apoio de especialistas para realizar pesquisas e buscar as melhores soluções para ações de impacto em diferentes frentes, desde o meio ambiente, ao desenvolvimento urbano e exercício da cidadania. Desde a sua fundação, já impactou mais de 100 mil estudantes e 1.200 educadores em Goiás e Pernambuco, com o programa de educação financeira. Paralelamente, criou o projeto CORA — Corações da Amazônia, que tem como objeto contribuir com o desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens da Amazônia legal.

Sobre o Programa Aprendendo a lidar com dinheiro

A Secretaria de Estado da Educação do Estado de Goiás assinou um termo de cooperação com o Instituto BEI em 2019 para a implementação do Programa Aprendendo a lidar com dinheiro. A parceria tem como objetivo levar a Educação Financeira para os estudantes do 9º ano do EF e 1º ano do EM através de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, visando estimular os estudantes a aprender de forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais, colocando-os no centro da aprendizagem, participando ativamente e construindo seu conhecimento.

O Programa do Instituto BEI está em linha com a matriz da BNCC, com o currículo local e busca proporcionar uma alternativa de compreensão por parte dos gestores das secretarias sobre as políticas de implementação mais apropriadas para o desenvolvimento do conteúdo e das habilidades previstas do tema nas escolas.

Optou-se por ancorar o programa na disciplina da matemática como forma de também contribuir no que é um dos importantes desafios do ensino básico no Brasil.

O programa é composto por material paradidático para os alunos, desenvolvido pela BEI Educação, formação de professores e gestão do projeto pela secretaria de educação. A metodologia proposta nas formações tem como principal pilar a aprendizagem baseada em projetos, que segundo a literatura internacional, se mostra como a melhor metodologia de ensino de Educação Financeira tanto para a aprendizagem do conteúdo previsto como mudança de comportamento dos estudantes em relação ao dinheiro.

Para saber mais, acesse https://www.institutobei.org.br/.

1 PISA (Programme for International Student Assessment), uma pesquisa trienal que avalia as habilidades de estudantes de diversos países para a participação na vida econômica e social

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